Não teve para ninguém

Flamengo domina o Brasileirão em ano de novidades na parte de cima e na de baixo da tabela

Gabriel Carneiro e Leandro Miranda Do UOL, em São Paulo

Flamengo "sobra" em campeonato de novidades

O Flamengo não deu chances aos concorrentes em 2019. Com uma campanha quase perfeita sob o comando de Jorge Jesus, o Rubro-Negro bateu recorde atrás de recorde, empilhou vitórias e golaços e terminou o Brasileirão com a maior vantagem da história sobre o segundo colocado: 16 pontos de diferença sobre o Santos.

Mas nem só de Fla viveu o campeonato. Campeão no ano passado, o Palmeiras teve um início avassalador, mas, mesmo com o terceiro lugar, terminou o ano em crise, expondo turbulências nos seus bastidores. Times como Santos e Athletico também mostraram futebol exuberante em vários momentos, e na parte de baixo o Cruzeiro viveu o pior ano de sua existência com sua primeira queda à Série B.

O domínio dos técnicos estrangeiros, a estreia do VAR e rebaixamentos inéditos foram algumas das novidades do campeonato. O UOL Esporte fez um resumo de uma das temporadas que mais mexeram com as emoções do torcedor nos últimos anos. Confira a seguir.

Tabela Final

Quem ganhou, quem classificou, quem caiu

O Flamengo garantiu o título com quatro rodadas de antecedência e ainda foi campeão da Libertadores. Os outros classificados à fase de grupos da principal competição da América do Sul foram Athletico (campeão da Copa do Brasil), Santos, Palmeiras, Grêmio e São Paulo (pela classificação na tabela). Já Internacional e Corinthians, sétimo e oitavo colocados, ficaram com a vaga nas classificatórias para a fase de grupos.

Na Sul-Americana, se garantiram Fortaleza, Goiás, Bahia, Vasco, Atlético-MG e Fluminense. No "limbo" entre a zona de classificação e a degola, ficaram Botafogo e Ceará. Os que caíram para a Série B foram Cruzeiro, Chapecoense - estes dois, pela primeira vez na história -, CSA e Avaí.

Thiago Ribeiro/AGIF

Melhor campeão da história

A campanha do Flamengo no Brasileirão é sem precedentes. Campeão com quatro rodadas de antecedência, o que igualou feitos do São Paulo (2007) e do Cruzeiro (2013), o time do técnico português Jorge Jesus quebrou o recorde de melhor campanha da era dos pontos corridos com 20 clubes, formato em vigor desde 2006. A marca pertencia ao Corinthians (2015), que atingiu 81 pontos. O Flamengo fez 90.

Desde que existe esse formato de pontos corridos (com 24 clubes em 2003 e 2004, dois a menos em 2005 e 20 a partir do ano seguinte), só o Cruzeiro de 2003 somou mais pontos do que o Flamengo: foram 100 ao longo daquela campanha. Também é a maior diferença já vista para um vice-campeão, com 16 pontos a mais que o Santos. Isso sem contar a dupla de artilheiros (Gabriel, com 25 gols, e Bruno Henrique, com 21) e as 28 vitórias em 38 partidas.

Nas arquibancadas, uma vitória à parte: média de 55.025 torcedores por jogo, mais de 20.000 em relação ao segundo time. Uma conquista irretocável.

Ivan Storti/Santos FC

Jorges fazem barulho

As apostas de Flamengo e Santos em treinadores estrangeiros com estilos ofensivos deram resultado no Brasileirão.

O time do Rio de Janeiro teve Abel Braga em seis partidas e o interino Marcelo Salles em mais três jogos. Quando o português Jorge Jesus assumiu, na décima rodada, o Flamengo estava em terceiro, oito pontos atrás do Palmeiras de Felipão. Entregou 23 vitórias, quatro empates e perdeu só dois jogos para ser campeão. Já o Peixe apostou no argentino Jorge Sampaoli logo no começo de 2019 e chegou a liderar este Brasileirão por quatro rodadas - além de bater o próprio Fla por 4 a 0 na rodada final.

Mais do que campanhas bem sucedidas, os dois estrangeiros chamam atenção por outros fatores: são explosivos e intensos na beira do campo, atentos aos detalhes, donos de conceitos firmes (Jesus estabeleceu um time titular, e Sampaoli nunca repete formação, por exemplo), amados por suas torcidas e responsáveis por subir o nível dos trabalhos no futebol nacional - foram quatro treinadores demitidos depois de embates com o Flamengo de Jesus. Há mais um ponto em comum: nenhum deles está garantido em seu time para 2020.

A seleção do Brasileirão, escolhida pelos internautas do UOL

Bruno Ulivieri/AGIF

Palmeiras: o imbatível acabou em crise

Se teve um time que pode ter o campeonato descrito pelo termo "montanha-russa", esse é o Palmeiras. Campeão do ano passado, o Verdão começou o Brasileirão de forma avassaladora, dando toda a pinta de que o bicampeonato era uma realidade próxima. Foram oito vitórias e um empate nos nove jogos do primeiro semestre, antes da parada para a disputa da Copa América.

Mesmo na fase boa, os alviverdes mantinham o discurso de que nada estava ganho e que havia muito jogo pela frente. E estavam certos. O time caiu drasticamente de rendimento no segundo semestre, foi eliminado de Copa do Brasil e Libertadores e perdeu a liderança para o Flamengo, gerando crise que culminou com a demissão de Luiz Felipe Scolari, algo impensável no começo do ano.

Mano Menezes foi o escolhido pela diretoria, mas já chegou com forte rejeição da torcida, que via nele um substituto parecido demais com Felipão e sem a identificação do antecessor. Apesar de bons números, Mano não conseguiu fazer o time alcançar o Fla e durou só três meses, sendo demitido após perder por 3 a 1 do Rubro-Negro no Allianz Parque. Assim, o Palmeiras, que começou o campeonato buscando o bi, terminou em crise e sem técnico.

Mineirão/Divulgação

Drama do Cruzeiro termina em queda e violência

No começo do ano, ninguém apostaria que um elenco caro, estrelado e bicampeão da Copa do Brasil como o Cruzeiro terminaria a temporada rebaixado à Série B. Mas foi exatamente isso que aconteceu. Em meio a uma gigantesca crise extracampo, envolvendo acusações de corrupção, salários atrasados e uma dívida estratosférica, o futebol dentro de campo sumiu.

Mano Menezes foi demitido após início fraco, com o time na antepenúltima posição. Veio Rogério Ceni para tentar a reação, mas o treinador não durou nem dois meses após entrar em choque com os veteranos do elenco celeste. A diretoria, então, se voltou para o estilo conciliador de Abel Braga. Também não foi suficiente.

A reta final da campanha deu o tom do desespero. Abel saiu, e Adilson Batista chegou para comandar o time nas três últimas rodadas. Perdeu as três. O ex-presidente Zezé Perrella, figura influente no clube há décadas, ressurgiu como homem-forte do futebol e prometeu salvar o Cruzeiro da degola, mas, em meio a novos choques com o elenco - Thiago Neves acabou a temporada afastado -, também falhou na missão. O rebaixamento ainda teve cenas de violência no último jogo, com torcedores vandalizando o Mineirão.

Os números dão uma mostra do tamanho do fiasco celeste no Brasileiro. Foram só sete vitórias em 38 jogos - menos que o CSA, por exemplo. Assim, na próxima temporada, o Cruzeiro tentará trilhar o caminho que outros gigantes do futebol nacional já trilharam e vai buscar se reerguer para 2021, o ano de seu centenário.

Liamara Polli/AM Press & Images/Estadão Conteúdo

Chape também é rebaixada pela primeira vez

Três anos depois de uma das maiores tragédias da história do esporte, a queda do avião da Chapecoense na Colômbia, o time catarinense deu adeus à primeira divisão do futebol nacional. Pela primeira vez em sua história, a Chape foi rebaixada, após duas temporadas em que conseguiu se manter na elite graças a um trabalho de reconstrução pós-desastre.

Houve poucos pontos positivos na campanha. O time dependeu demais de cruzamentos, não teve a defesa sólida de costume e amargou uma queda que pareceu inevitável. Ainda assim, houve espaço para o destaque individual de Everaldo - o atacante fez 13 gols e, muitas vezes, conseguiu ganhar pontos praticamente sozinho para o time, ainda que não o suficiente.

Com os rebaixamentos de Chape e Avaí, o estado de Santa Catarina ficará sem representantes na Série A, algo que não acontecia desde a edição de 2001.

Bruno Haddad/Cruzeiro

Em 38 rodadas, 24 trocas de treinador: a dança em 2019

Apenas três times mantiveram o mesmo técnico da primeira à última rodada do Campeonato Brasileiro: Bahia (Roger Machado), Grêmio (Renato Gaúcho) e Santos (Jorge Sampaoli) - isso sem contar o Fortaleza, que começou e terminou com Rogério Ceni, mas viu seu treinador pedir demissão em agosto e dirigir o Cruzeiro por dois meses antes de ser contratado de volta. Foram 24 trocas de comando ao longo de 38 rodadas.

O caso mais emblemático sobre essa rotatividade é do próprio Cruzeiro, que teve cinco treinadores no Brasileiro: Mano Menezes (13 jogos), Rogério Ceni (7 jogos), Abel Braga (14 jogos), Adilson Batista (3 jogos) e o interino Ricardo Resende (1 jogo).

A última troca do Cruzeiro ocorreu a três rodadas do fim da competição em meio à luta contra o rebaixamento: o time mineiro foi derrotado em casa pelo CSA e optou pela troca no comando ao demitir Abel e buscar Adilson, que na mesma rodada tinha sido demitido do Ceará. O Ceará, por sua vez, tirou Argel Fucks do próprio CSA. Os três clubes lutavam contra duas "vagas" na Série B de 2020.

Também houve um momento, em setembro, em que quatro treinadores caíram em 24 horas: Cuca (São Paulo), Zé Ricardo (Fortaleza), Oswaldo de Oliveira (Fluminense) e o próprio Rogério Ceni (Cruzeiro). Os dois casos ajudam a resumir a vida dos donos da prancheta no futebol nacional, para o bem e para o mal.

É o quinto ano com mais trocas de treinadores desde a instituição do Brasileirão por pontos corridos, em 2003. Por enquanto, a temporada 2015 lidera, com 32 trocas.

Ivan Storti/Santos FC

VAR é novidade e vira até comemoração de gol

A arbitragem de vídeo, conhecida pela sigla em inglês VAR, foi a grande novidade do Campeonato Brasileiro em 2019. Os clubes haviam negado a sugestão da CBF em 2018 e só toparam nesta temporada porque a entidade arcou com os custos da tecnologia. Como acontece com qualquer modernidade, foi uma temporada de ajustes e polêmicas.

Botafogo, CSA, Vasco, Ceará, Fortaleza e Avaí pediram anulação de jogos do torneio por supostos erros de direito em relação à utilização do VAR. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) não atendeu a nenhuma das solicitações, mas obrigou a CBF a tornar cada vez mais públicos mecanismos, imagens e áudios para referendar decisões. O VAR teve seu funcionamento explicado até na Câmara dos Deputados pelo presidente da comissão de arbitragem da CBF, Leonardo Gaciba, em novembro.

As estatísticas do VAR na ocasião indicavam 6,2 lances checados e revisados na tela por jogo, com erros capitais diminuídos de 161 para 30 em comparação com o ano passado. As polêmicas e mesmo os erros não acabaram, mas o futebol brasileiro ganhou mais recursos para tornar o jogo justo e um novo gestual que o santista Marinho transformou em comemoração de gol ao desenhar a tela no ar.

Personagens

Thomas Santos/AGIF

Thiago Neves

Meia roubou a cena pelas polêmicas. A queda de braço que rendeu a demissão do técnico Rogério Ceni no Cruzeiro após críticas públicas foi uma delas, além da ocasião em que ele disse que estava jogando lesionado sem Abel Braga saber. Por fim, um áudio vazado cobrando salários atrasados e a presença em uma festa enquanto tratava lesão o fizeram ser afastado.

Bruno Cantini / Atlético

Vagner Mancini

Técnico do Atlético-MG nas 13 rodadas finais teve outra função no Brasileiro: coordenador do São Paulo. Saiu em setembro, depois que não foi efetivado. Na ocasião, um áudio vazou e deu polêmica: "Sabe por que eu saí, boleirão? Porque eu fui efetivado e quatro horas depois o Daniel Alves pediu o Fernando Diniz. Disseram que estavam em dúvida. Aí eu falei: então estou indo embora".

Moreira/Estadão Conteúdo

Argel Fucks

No Brasileirão, treinador dirigiu o CSA por 26 partidas - assumiu em julho, com o time em 19º, e pediu demissão em novembro, uma posição acima. Depois, comandou o Ceará nas três rodadas finais. Uma coisa que chamou atenção nos jogos em que trabalhou foi o estado de sua camisa. Enérgico, Argel terminava molhado de suor. Fotos e vídeos desses momentos viralizaram.

Marcello Zambrana/Divulgação/Cruzeiro

Abel Braga

Começou o ano no Flamengo e participou da campanha campeã com três vitórias, um empate e duas derrotas. O mau rendimento deu início à polêmica abraçada pelo jornalista Mauro Cezar Pereira, segundo a qual Abel tinha o hábito de beber vinho com amigos, inclusive da imprensa, o que abrandaria as críticas. Ele ainda dirigiu o Cruzeiro, com três vitórias em 14 jogos.

EFE/ Alejandro García

Laterais da seleção voltam para casa

O Brasileirão 2019 também teve duas das contratações mais bombásticas dos últimos tempos: os dois laterais titulares da seleção campeã da Copa América 2019, Daniel Alves e Filipe Luís, deixaram a Europa para jogar por seus times do coração. O contexto que cada um encontrou em seus novos desafios, no entanto, foi bem diferente.

Daniel recebeu a camisa 10 do São Paulo e teve apresentação de ídolo em um Morumbi lotado. Apesar de mostrar a qualidade de sempre com a bola no pé, não conseguiu render tudo que pode em um time que sofreu com a inconstância ao longo do ano, mudando de Cuca para Fernando Diniz no meio do caminho. Revezando entre atuações no meio-campo - onde disse preferir jogar - e a lateral direita, o craque do Brasil na Copa América se destacou também pelas declarações fora de campo, criticando desde a imprensa até a política interna do Tricolor.

Filipe Luís, por sua vez, encaixou como uma luva no Flamengo e foi um dos principais motores do time de Jorge Jesus - ao lado de Rafinha, outro "europeu" repatriado pelo Rubro-Negro, formou a melhor dupla de laterais do Brasileirão. Quase impecável defensivamente, o lateral esquerdo também mostrou para quem achava que ele só sabia marcar que a técnica e a inteligência para atacar sempre foram pontos fortes.

Reprodução

A gente se vê por aí: o fim da exclusividade da Globo

O Campeonato Brasileiro de 2019 marcou o fim da exclusividade do Grupo Globo como detentor exclusivo de direitos de transmissão. O reinado em TV aberta havia começado em 1987, com a criação do Clube dos 13, e o domínio se estendeu para TV fechada (SporTV) e pay-per-view (Premiere). Outros canais só podiam exibir em acordos de sublicenciamento.

A mudança deste ano ocorreu porque a programadora americana Turner fechou negócio com sete clubes da Série A e exibiu 42 partidas no canal TNT, que é fechado, EI Plus, serviço online disponível para assinantes do UOL Esporte Clube. Na TV aberta, o Palmeiras só assinou com a Globo em 23 de maio. E o Athletico Paranaense manteve jogos "escondidos" por não aceitar os termos do Premiere durante a temporada. Está aí outro elemento inédito: 16 jogos não foram televisionados de maneira nenhuma em 2019. Um deles na última rodada, entre Avaí e o Furacão.

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